("Migrant Mother" - Dorothea Lange, 1936)
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Confio seguramente que nada se torna ruína, singularmente serve de metamorfose. As balas dadas ao coração têm como consequência a perda física de algo, porém nada nos é retirado sem o objetivo da entalpia ser recomposta. Devo fundamentar-me. Faz tempo, algo me trespassou intrinsecamente a alma, restando apenas a putrefacta ferida a céu aberto, talvez pela ausência da pessoa que mais amava sem, na verdade, nunca ter tido a coragem necessária para lhe dizer. Sei-me como sólido, mas não vivo da mesma forma... Minha Avó, mulher incrível que sempre representara com o seu cabelo arranjado e os lábios pintados de forma imponente, sempre me ensinou a sê-lo enquanto caminhava. Mas, e de seguida? Quando as palavras já não compensaram o milagre do seu rosto, e as ações não retrocederam o que outrora fora determinado? Restava a transformação. Vejo-a na face da Beatriz, de minha Mãe e da Nina, como que um surgir divino de algo interrompido, descontínuo e acima de tudo muito ténue. São a benção inesperada, no entanto inesquecível.
